Sunday, May 20, 2007

A odisseia de Enrique

Muitos dos migrantes que partiram no comboio com Enrique foram apanhados e deportados. A outros aconteceu pior: Chiapas deixou-os quebrados. Esses migrantes não falam do Comboio dos Peregrinos, ou do Cavalo de Ferro. Eles têm outro nome para o comboio: El Tren Devorador. O Comboio Devorador.A média é de quase um cada dois dias, segundo da Cruz Vermelha. Os migrantes da América Central que viajam em comboios de mercadorias perdem braços, pernas, mãos ou pés apenas no estado mexicano de Chiapas. Fora os que morrem logo, quando são cortados ao meio ou decapitados. (...)Carlos Roberto Díaz Osorto, de 17 anos, hondurenho, quase atravessou Chiapas. Carlos está na cama número um na unidade de traumatizados no Hospital Civil, na cidade de Arriaga, no Sul do México. Quatro dias antes de chegar, viu um comboio cortar as duas pernas a um homem. Mas ele apagara o medo da mente: ia para os Estados Unidos para trabalhar.Na curva perto de Arriaga, onde os comboios travam, Carlos correu ao lado do comboio, a pensar se devia ou não entrar. Os seus primos agarraram-se à sexta carruagem a contar do fim. Carlos en­trou em pânico. Será que ficaria para trás?O comboio chegou a uma ponte. Carlos não subiu. Tinha os atacado­res desatados. O sapato esquerdo saltou. Depois o direito. Tentou agarrar uma escada num vagão-cisterna, mas a carruagem ia muito depressa e ele largou a escada. Agarrou-se a um gradeamento.O vagão agitou-se com violência. Carlos aguentou-se, mas sentia o ar a passar por baixo da carruagem, a puxar-lhe as pernas para perto das rodas. Os seus dedos abriram-se. Tentou afastar os pés das rodas e soltar-se. Mas, quando se soltou, o ar sugou-o. As rodas espalmaram-lhe o pé direito e depois cortaram-lhe a perna esquerda, acima do joelho."Ajudem-me! Ajudem-me! Dói muito!" gritou. Começou a arfar, a transpirar, a pedir água, sem certeza de que alguém o ouvia.Os paramédicos da Cruz Vermelha encontraram-no deitado junto aos carris. Já tinha perdido quase um terço do san­gue, mas os carris quentes tinham cauterizado muitas das artérias. Os médicos fizeram dois garrotes. Um cortou-lhe os ossos, depois selou cada artéria e veia. Esticou pele para cima das feridas e coseu-a. Por vezes não há medicamentos para debelar a infecção, mas Carlos teve sorte. A Cruz Vermelha encontrou penicilina.Muitos destes migrantes acabam em Tapachula, a alguns quarteirões do entreposto onde en­traram no comboio, no abrigo de Jesus, o Bom Pastor. A directora do abrigo, Olga Sánchez Martínez, tenta curá-los.
Olga é uma mulher de meia-idade pequena, com cabelo negro e sedoso, com a mão na anca e um terço branco e simples à volta do pescoço.
Está sempre em movimento, impaciente por encontrar soluções para os problemas. Compra sangue e medicamentos para que os migrantes não morram.
Cuida deles até que possam ser levados para casa. "Ninguém me diz que algo não pode ser feito. Tudo pode ser curado. Nada é impossível", diz Olga.
in Publico, domingo 20 de maio de 2007

3 Comments:

Blogger MM said...

Bem perto tens aqueles que chegam por Espanha, atravessando meio mar, em botes desconjuntados, sem GPS certos apenas da vontade de partir porque chegar será graça de Deus...
Lê e depois partilha e perdoa se os meus egoísmos continuem num venha a mim que promete um levar que nunca chega.

1:09 AM  
Blogger gatosecaes said...

ifelizmente o sofrimento de uns não esgota o sofrimento dos outros. deve seu a unica coisa neste mundo que não esgota.
caesegatos

9:00 AM  
Blogger gatosecaes said...

ifelizmente o sofrimento de uns não esgota o sofrimento dos outros. deve seu a unica coisa neste mundo que não esgota.
caesegatos

9:00 AM  

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